quinta-feira, 12 de julho de 2012

A MÚSICA QUE OS MORTOS OUVEM



Foi numa crônica do psicanalista Hélio Pellegrino que entendi o porquê gosto tanto de ver os defuntos sendo velados.
 Já faz tempo que tenho esta mania! Acho mesmo que desde criança trago uma curiosidade que me faz visitar outros cômodos de velórios ao invés de dedicar meu luto somente ao conhecido que fui destinar minha atenção.
Hélio conta sobre o grande recolhimento da feição do seu amigo no caixão, suave, como quem ouve uma música. Pois é isto exatamente que me chama a ver os mortos: suas feições de quem ouve música e como estão mortos, a música  que ouve é um segredo inviolável.
Mas existem os mortos que percebemos nitidamente não estarem ouvindo música ou caso estejam, não é do seu agrado. Seriam estes os verdadeiros desmerecedores das alegrias eternas?
A entrada da eternidade é o recolhimento junto a uma música que se ouve em segredo. Podem reparar no próximo velório... Caso seja o meu e eu tenha a oportunidade de escolher a música (ou o repertório), não revelarei aqui com medo de ter meu direito auditivo interdito pela audácia humana.
Mas a pressão do tempo nos nossos dias já faz aparecer a economia até na bendita hora da encomendação das almas. Falam até de velórios fast-foods - uma passadinha de carro numa janelinha, uma velinha rápida por ali mesmo e pronto – até a morte foi cooptada pela praticidade...E nesta possibilidade higienizada demais, eficiente demais,  como fica o morto abandonado ouvindo sua música em recolhimento? Sim, porque apesar do seu recolhimento, a outra parte essencial deste acontecimento é o mistério da música que ouve para nós. Sem a presença dos queridos, acredito sinceramente que este momento tão especial ao desencarnado, esteja frontalmente ameaçado.